RESUMO
Uniformidade de conteúdo é um teste realizado para determinação do ativo de determinados medicamento. O AAS (ácido acetilsalicílico) é um dos medicamentos mais prescritos no mundo, por isso é de extrema importância que a quantidade de ativo nela presente se encaixe nos critérios de aceitação, uma vez que a dose incorreta está diretamente relacionada ao aumento dos efeitos adversos, da toxicidade e ineficácia terapêutica. Por esse motivo, o AAS foi utilizado para realizar essa pesquisa. O teste foi realizado de duas maneiras diferentes, afim de observar se os resultados obtidos impactam no teor real especificado pelo fabricante. Observou-se, por meio dos testes que, quando se faz uma análise de uniformidade de conteúdo por Titulometria, os resultados ficam mais próximos ao valor declarado, já nos testes realizado por cálculo de variação de peso, obtém resultados abaixo do valor esperado. Afim de confrontar os resultados, foi realizado testes estatísticos para comprovar que entre os dois métodos a correlação dos resultados são realmente diferentes.
Palavras-chave: Uniformidade de conteúdo / AAS / Teste estatístico.
1. INTRODUÇÃO O Ácido acetilsalicílico pertence ao grupo dos fármacos anti-inflamatórios não esteroides, com propriedade analgésica, antipirética e anti-inflamatória. Seu mecanismo de ação acontece por inibição irreversível da enzima ciclooxigenase, envolvida na síntese das prostaglandinas. (MENEGATTI, FRAGA, BARREIRO, 2001). Segundo Couto (2012), o ácido acetilsalicílico (AAS) encontra-se entre os fármacos mais prescritos do mundo. A quantificação adequada e a constância do ativo de AAS em comprimidos são de muita importância para a eficácia de tratamento do paciente e para não ocorrer a toxidade O uso indiscriminado de medicamentos pode acarretar mais resultados indesejados do que benefícios a saúde. Além disso, o indivíduo pode desenvolver indesejáveis efeitos adversos a determinados ingredientes da formulação medicamentosa e, em consequência, desenvolver intoxicação. É fundamental o papel do farmacêutico, enquanto profissional da saúde responsável pela orientação da utilização correta dos medicamentos. (LIMA & RODRIGUES, 2008; apud CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012) Fatores inerentes ao processo de produção do medicamento, como qualidade da matéria prima utilizada, adoção de boas práticas de fabricação, tamanho das partículas dos componentes, estão relacionados com variações nos resultados de testes de bioequivalência e biodisponibilidade, mesmo quando o medicamente é produzido com a mesma concentração e a mesma forma farmacêutica. Através da RDC Nº 58, de 10 de outubro de 2014, a ANVISA determina que o medicamento similar para se tornarem intercambiáveis, deverão fornecer estudos que comprovem a equivalência farmacêutica, biodisponibilidade relativa e bioequivalência. O termo Uniformidade de dose unitária é definido com grau de uniformidade ou invariabilidade na quantidade do ativo do medicamento entre doses unitárias. Já as doses unitárias, são as formas de dosagem contendo uma única forma ou parte da dose do ativo em cada unidade. Para avaliar a quantidade de substâncias ativas em fármacos, utiliza-se dois métodos descritos na Farmacopeia Brasileira, que são: variação de peso e uniformidade de conteúdo. Esses métodos asseguram a uniformidade dos componentes ativos em todas as preparações. Cada unidade do lote de determinado medicamento deve conter a quantidade de ativo muito próximo à quantidade declarada. O teste de uniformidade de dose unitária avalia se a quantidade do componente do ativo é uniforme nas unidades testadas. (SILVA FILHO, 2009) O método por uniformidade de conteúdo, baseia-se no doseamento do conteúdo individual do ativo de um número de doses unitárias determinando se o conteúdo individual está dentro do limite especificado. Esse método é exigido por todas as formas farmacêuticas que não atendem as condições especificadas para aplicação do método de uniformidade de dose unitária por variação de peso. (KOGAWA; SALGAD, 2013) O método de uniformidade de dose unitária por variação de peso é mais restrito quanto a utilização em algumas formas farmacêuticas. Quando a uniformidade de outras substâncias ativas presentes em menores proporções deva ser demonstrada pelo método de uniformidade de dose unitária, essa deverá ser realizada por uniformidade de conteúdo. (SILVA FILHO, 2009)
2. OBJETIVO
Analisar comparativamente os métodos de uniformidade de dose unitária por uniformidade de conteúdo e por variação de peso, em comprimidos de AAS, a fim de identificar se os resultados são equivalentes, e quais impactos estes resultados poderiam ter na aprovação do lote, conforme especificações farmacopeias.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
O ensaio foi realizado conforme descrito na Farmacopeia Brasileira. Para realizar o experimento utilizamos o laboratório e os materiais cedidos pela Universidade de Mogi das Cruzes (CELFARM). Abaixo está descrita a lista de materiais:
Balança analítica
Banho ultrassom
Bastão de vidro
Bureta
Comprimidos de Ácido. Acetilsalicílico
Etanol 96%
Erlenmeyer com volume 200mL
Gral de porcelana com pistilo
Manta aquecedora
Sol. de ácido clorídrico 0,5 M SV
Sol. de hidróxido de sódio 0,5 M SV
Solução de fenolftaleína 1%
Solução de vermelho de fenol 1%
Suporte universal com garras
Os comprimidos de AAS utilizados nesse trabalho foram adquiridos em uma drogaria, sob a apresentação comercial de 500mg por comprimido, sendo do mesmo lote a fim de evitar variações nos resultados.
Para realizar os testes comparativos de uniformidade de conteúdo utilizando dados de peso médio, foram feitos ensaios em duplicata para obter resultados mais precisos do teor médio dos comprimidos; o método empregado foi o preconizado pela Farmacopeia Brasileira, que é similar e comparável aos métodos descritos na Farmacopeia Portuguesa e na Farmacopeia Argentina; ambos possuem os mesmos procedimentos e parâmetros para o resultado do doseamento.
Para realizar o teste de uniformidade de conteúdo foram pesados exatamente 20 comprimidos de ácido acetilsalicílico em balança analítica anotando os valores das demais massas pesadas, posteriormente, os comprimidos foram macerados com auxílio de almofariz e pistilo. Pesou-se com a maior precisão possível 0,5g dos comprimidos macerados de ácido acetilsalicílico, em duplicata. Transferiu-se quantitativamente, cada amostra para um erlenmeyer de 250mL e adicionou-se 30mL de hidróxido de sódio a 0,5M SV. O pó foi previamente dissolvido e em seguida levou-se a solução para uma manta de aquecimento onde o mesmo foi cuidadosamente fervido por exatamente 10 minutos.
Deixou-se resfriar a solução e em seguida titulou-se o excesso de álcali com ácido clorídrico 0,5 M SV, utilizando vermelho de fenol SI como indicador. Foi realizado o ensaio em branco a fim de efetuar as correções necessárias. A titulação seguiu até o ponto de viragem do indicador, anotando o volume gasto da solução titulante.
Para determinar o teor de doses unitárias, foram utilizados 20 comprimidos do mesmo lote. Transferiu-se 1 comprimido para cada erlenmeyer, acrescentou-se etanol neutralizado e pulverizou-se com bastão de vidro. Em seguida, acrescentou-se ao erlenmeyer 30 mL de hidróxido de sódio 0,5 M SV e levou-se ao ultrassom para melhor solubilizar. Levou-se para a manta de aquecimento e ferveu-se por 10 minutos cuidadosamente. Em seguida a solução foi resfriada em temperatura ambiente, acrescentou-se 5 gotas de vermelho de fenol ao erlenmeyer para então titular-se o excesso do álcali com ácido clorídrico. Repetiu-se o mesmo procedimento para todos os 20 comprimidos.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fim de avaliar a uniformidade de princípio ativo em unidades individuais de um mesmo lote, se lança mão do teste de uniformidade de doses unitárias. Este ensaio se aplica às formas farmacêuticas com um único fármaco ou com mais de um componente ativo.
O estudo analisado propõe a possibilidade de realizar o teste de uniformidade de conteúdo com os valores obtidos a partir do peso médio, e por meio de análise com Titulometria, onde é possível obter a análise de variância do teor do ativo.
Os resultados obtidos por meio do cálculo a partir do peso médio, é possível verificar uma queda no teor se comparado aos valores obtidos a partir da análise realizada individualmente, onde observa-se um teor equivalente ao que foi descrito no produto.
Segundo a Farmacopeia Brasileira (2010), o limite estabelecido de ácido acetilsalicílico por comprimido é de no mínimo 95% e no máximo 105% a concentração declarada.
Segundo os critérios de aceitação de comprimidos de AAS na Farmacopeia Brasileira, podemos observar que os mesmos comprimidos, porém avaliados com métodos diferentes, obtivemos resultados distintos. Em teor de análise %, a maior concentração foi de 518,82 e a menor foi de 472,62. Já o teor por cálculo a partir do peso, a maior concentração foi de 494,50 e a menor concentração foi de 439,17. Levando em consideração aos critérios de aceitação descritos na Farmacopeia Brasileira, os testes realizados por análise, apenas 1 comprimido estaria fora da especificação do produto, ou seja, entre os 30 comprimidos avaliados, 29 estão dentro do critério de aceitação de 95% a 105% do teor declarado do produto. Já os testes realizados por teor a partir do cálculo do peso de comprimido, apenas 3 dos 30 comprimidos passariam frente aos critérios de aceitação da Farmacopeia Brasileira.
Para realizar o comparativo dos resultados dos dois métodos de determinação de teor dos comprimidos é possível utilizar diferentes testes estatísticos com abordagem dependentes e independentes para o tratamento das amostras.
Neste caso, temos resultados obtidos por diferentes métodos para os mesmos comprimidos. Assim, seria possível deduzir que o ensaio estatístico para comparação das médias seria um ensaio pareado. Nós postulamos que os dados são pareados, imaginando que são dois grupos de dados onde um interfere no resultado do outro diretamente.
Partindo da ideia que são dois grupos de dados, o teste mais indicado é o teste t para amostras pareadas. Porém, para realizar o teste precisamos certificar que as amostras são de fato pareadas, isto é possível ser feito através do coeficiente de correlação.
O coeficiente de correlação ( r ) foi igual a – 0,2802. O coeficiente de correlação negativo indica que o pareamento, ou ligação entre os pares não foi efetiva.
Abaixo, no gráfico 1, podemos observar a relação das amostras considerando o teor em teste realizado por análise e o teor a partir dos resultados obtidos no cálculo por peso de cada comprimido. Observa-se que há dispersão entre as amostras.
Conforme podemos visualizar no gráfico 1, a correlação foi negativa, portanto o que foi inicialmente postulado não condiz com a realidade das amostras, ou seja, as amostras não são pareadas.
Com base no resultado do coeficiente de correlação, mudamos a linha de pensamento e utilizamos o teste t não pareado.
Com dado nos resultados em suas diferenças, elaboramos a hipótese de que, a média dos grupos de análises realizadas a partir do peso médio do comprimido e a análise feita individualmente em cada comprimido, não possui diferença, podendo ou não ser realizada de qualquer uma das formas para comprimidos que necessitam passar por avaliação de uniformidade de conteúdo.
Para a execução do teste não pareado t, parte-se do pressuposto que as diferenças são amostradas a partir de uma distribuição Gaussiana. Essa assunção é testada usando o teste de Kolmogorov Sminorv, expressada na figura 1 abaixo.
Como podemos observar, a distância de Kolmogov Sminorv é de 0,07 e o valor de P é de 0,9664. Com esses valores, segundo critérios estatísticos, os dados passaram no teste de normalidade com P>0,05.
O dado estatístico obtido foi iniciado com duas hipóteses, a Hipótese nula (H0) que afirma que o resultado entre as análises realizadas não possui diferença entre elas, e a Hipótese alternativa (H1) onde entre elas pode realmente existir diferença.
Com base nos resultados obtidos, (H0) Hipótese Nula foi rejeitada em favor da hipótese alternativa. Foi realizado o teste t não pareado, e os resultados estão na tabela a seguir:
5. CONCLUSÃO
De acordo com os testes realizados, foi possível identificar a diferença entre os dois métodos de análise de uniformidade de conteúdo em uma mesma amostra de comprimidos de AAS. A quantidade especificada pelo fabricante foi de 500mg, podendo ter variação de 95% a 105%.
Quando é realizado uma análise com titulometria, o teor é muito próximo ao valor declarado, obtendo assim um resultado mais preciso e confiável. Já em testes de uniformidade apenas realizando o cálculo do peso médio, obtemos valores abaixo do valor esperado e especificado. Ou seja, comparando os resultados da mesma amostra para realizar testes de uniformidade de conteúdo, a melhor maneira de realizar o teste é fazendo análise do comprimido e calculando seu teor.
Para comprovar de fato que os valores obtidos são distantes e diferentes, foi realizado também testes estatísticos, na qual, mais uma vez foi comprovado valores distintos e sem correlação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA FILHO, E. Q. Comparação dos critérios de aceitação para o teste de uniformidade de dose unitária atual e o proposto pela farmacopéia brasileira. Tese (Mestrado em Biotecnologia) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009
Autora: Adriana Tiemi
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